sábado, 6 de setembro de 2025

Coração Valente

 

Na vastidão de campos verdes, quase que sem fim, cavalgava junto de sua égua baia. A luz solar de um meio de tarde refletia na pelagem do animal, ressaltando suas cores, o brilho e os músculos das patas. No rosto do homem, um semblante leve, alegre, refletindo os olhos claros e o tom acobreado dos cabelos. Vestia um tartan em tons que combinavam vermelho e verde. A camisa branca tinha as mangas dobradas até próximo aos cotovelos. A viagem parecia de dias, mas a energia era de quem tinha descansado por muito mais tempo. Tinha dormido ou era o coração leve de quem nutre esperança e a chama de toda a sua glória?

Conhecia todos aqueles campos e todas aquelas pessoas. Tinha um amor grande por aquelas terras e um ardor pela liberdade delas. De horas atrás, ares com resquício de uma luta solitária contra um grupo de soldados da coroa, enviados para fazer a ronda daqueles campos.

Profundo respeito pelas pessoas que fui é o que hoje eu sinto. Conhecendo quem fui e quem sou me permite honrar a mim mesmo, meus ancestrais, e respeitar a minha trajetória devidamente. Isso só foi possível nesta proporção a partir da vivência da Ayahuasca. Parece que ficou mais nítido, mais consciente. Fez mais sentido, como se eu tivesse entendido o que isso realmente significa de um jeito menos fragmentado.

Olho uma foto da criança que fui. Sinto falta dos cabelos crespos e cacheados. Não me dói mais o que não foi. Hoje, vejo a força e a potência que aquela criança fez para sobreviver. Não é o ideal, nenhuma criança deveria passar por isso. Mãozinhas acariciando a Bolinha, uma fox paulistinha; bermuda vermelha, camisetinha branca, rostinho redondo e um brilho no olhar... distante. Sonhava com terras que nunca conhecera. Penso: será que aquele eu pescador que navegava as gélidas águas nos fjordes ou aquele escocês poderia imaginar que essa criança carregaria toda aquela áurea de coragem, força, imponência e luta?


Foto: Arquivo Pessoal.

Como bem dito por Odin, minha bandeira principal é a luta para ser quem se é e pela liberdade. A partir de conexões e da inspiração, é na liberdade que minha alma encontra descanso e jubilo. Hoje, se eu pudesse, eu encontraria a criança que eu fui, o adolescente e o jovem adulto de algum tempo atrás e diria a ele que tudo o que seu coração sempre sentiu era verdade.




sábado, 2 de agosto de 2025

Vidas inteiras em duas horas

Primeiramente, quero dizer que estamos indo para duas semanas desde o falecimento de Ozzy Osbourne e eu ainda estou sentindo o luto. Ozzy foi uma figura muito importante na minha trajetória, aqui especificamente falando dele e de sua carreira solo, a qual eu sou um ávido fã. Seu carisma, sua trajetória e seu trabalho foram uma das companhias nos momentos mais difíceis. Músicas como "Back On Earth", "Time" e "Life Won't Wait", embora mais recentes - hoje, nem tanto -, estiveram comigo nos dias mais obscuros; agarrei-me a elas e a cada palavra de motivação que Ozzy tinha a dizer. O Príncipe das Trevas sempre soube que as trevas e a luz são uma coisa só.
 
Esse post é uma singela homenagem a ele. Embora eu tenha me programado para falar o motivo de eu ir para a Escócia, hoje eu entendo por qual razão esse post foi sendo adiado, enquanto eu tinhas outras coisas a falar primeiro neste blog. Aconteceu algo que mudou minha vida completamente. Podemos chamar de "divisor de águas", embora eu não seja Maomé e não seja islâmico. Divisor de águas como um rio que se separa e corre por outros caminhos e a direção, talvez, bem mais definida.
 
Minha vida mudou em duas horas. Foi tudo o que eu precisava para rever essa vida inteira, curar inseguranças e ver a minha importância e a do que faço. Eu entendi meu propósito, eu chorei me sentindo liberto de coisas que não faziam parte de mim. Levei uma vida muito dura, mas a lição dessas duas horas foi amorosa e acolhedora. E tudo graças a ele, a Odin. No dia 16/07 foi a minha primeira consagração de Ayahuasca. A medicina das florestas é incrível. Em um sonho, no mês anterior, eu havia sido direcionado por Odin. Como um bom oniromancer, chamei ele algumas vezes para conversar em sonhos, até que um dia ele me respondeu, talvez de saco cheio. Ele disse que tinha coisas para me dizer que o mundo dos sonhos, talvez, não comportaria e que eu precisava de algo um pouco mais profundo. E foi aí que ele me indicou a Ayahuasca. "Não vai sentir os efeitos comuns da medicina, não vai vomitar, não vai ter diarreia, nem passar mal... você está preparado e com toda a estrutura para dar conta desse momento. Mas se prepare..." disse ele. E me mostrou cagando o maior e mais sólido, bonito e consistente tolete. Te juro. Nada foi diferente do que ele me avisou, mas eu posso garantir para vocês que a experiência superou todas as minhas expectativas.
 
Eu não vi mandalas, mas ele me explicou como elas eram formadas. Encarei meus medos, senti um deles respirar ao pé do meu ouvido, mas me mantive firme, pois sabia que nada poderia me atingir e que eu estava protegido. Muito bem protegido. Eu vi coisas e tive acesso a informações que, se eu contar, ninguém vai acreditar. E tá tudo bem, ninguém precisa acreditar. Odin estava lá e disse que, para começar, ele queria me mostrar algumas coisas e eu o segui. Estávamos caminhando na bifrost, a ponte arco-íris que leva a Asgard, protegida por Heimdall. A beleza dessa ponte é absurda. Estávamos nos aproximando de uma estrutura gigantesca, realmente GIGANTESCA, em uma proporção em que eu me sentia menor que uma mosca, muito menor que um grão de arroz. Talvez, uma pulga. Só o portão já era uma coisa estrondosa, brilhava em um ouro branco clarinho. Ele colocou a mão no portão e pediu para eu me aproximar. Eu me aproximei e ele me mostrou um raio de luz iluminando o portão de Asgard. "Esse aqui é meu reino, meu lar e o seu também. Toda luz que toca nesse ouro é refletida em todas as cores do arco-íris. Por que acha que coloquei todas as simbologias relativas ao arco-íris espalhadas ao longo da tua vida?". Eu comecei a chorar. "É para te lembrar de onde vem. Quero te lembrar quem tu realmente é. Tu acha mesmo que é uma pessoa tão desimportante, tão sem valor e pequenino assim como se sente?". Ele disse de uma forma contestadora, mas não menos amorosa. Meus olhos vertiam em lágrimas, porque ele havia pegado a minha maior dor, a qual tento me desvencilhar tem muito tempo. Os detalhes da arquitetura desse portão eram escandinavos, lindos, lindos, lindos. Uma riqueza de detalhes e de texturas que eu não teria simplesmente como tirar de um mero conceito eurocêntrico e branco de "inconsciente".

Fonte: Pinterest.


E foi aí que ele disse "deixa eu te mostrar uma coisa". Ele me mostrou uma vida passada minha nos fiordes noruegueses. Estava eu, em um barquinho, um homem de estatura mediana, pele bronzeada e cabelos loiros acinzentados, meio apagados talvez pela maresia. Vestia uma roupa muito simples, parecia um saco de batatas. Já dava para saber que se tratava de uma pessoa comum. Eu era um dos pescadores do meu vilarejo. Estava em um barquinho simples de pesca, com algumas ferramentas de pesca, caixas e bacias para depositar os peixes. Eu remava em um rio entre os fiordes, lindos, cheios de neve. Havia uma brisa leve, gelada. Eu podia sentir a temperatura gelada emanar das águas. Nessa visão, ouvi a voz de Odin me dizer que eu sempre fui uma pessoa simples, comum. Não era rei, não era cheio de riquezas materiais, nem uma figura famosa ou aparentemente comum. Mas que eu sempre fui grande nas minhas ideias, nos meus objetivos e nas minhas palavras. Eu inspirava todos que conhecia. E foi aí que a cena foi mudando, e ele mostrou um drakkar viking. Estávamos a-viking! Eu e outros moradores do vilarejo, nos direcionando para uma jornada de saques e invasões. Estávamos animados, ansiosos... Ele me disse que, por onde eu andei, eu levei seu nome e o de Asgard, a energia de inspiração e de força de seu reino. Ele me mostrou os detalhes do casco do drakkar e as cores do arco-íris reluzindo de uma forma simbólica para ilustrar o que ele queria dizer. Foi então que saltamos dessa linha do tempo e voltei ao portão de Asgard, em que estava de pé junto a ele. Odin me permitiu tocar no portão e sentir sua vibração e apreciar os detalhes de sua arquitetura. Deu uma risadinha. O véio era bem orgulhoso... com razão.
 
Ele me mostrou, à distância, o grande salão. Me explicou como funcionava Valhalla: noções muito mais complexas do que as entendidas e espalhadas pelo tempo. Não me permitiu entrar, porque tinha coisas que eu não poderia ver naquele momento por ainda estar vivo. Levou-me a uma grande fonte de luz que, segundo ele, produzia toda a vitalidade. Era uma fonte de vida, com uma luz muito forte, difícil de manter os olhos abertos. Parecia uma grande fonte com um pombo gigantesco jorrando essa luz perolada... Comecei a ser banhado por essa luz. Senti muitas coisas indo embora de dentro de mim. Senti meu corpo e minha alma leves. E foi aí que ele me apresentou Lúcifer como essa grande fonte de energia, de vitalidade, que poderia dar forma a qualquer coisa. Ele me mostrou como manipulava essa energia para criar uma árvore e como cada folhinha era construída. Odin me explicou com detalhes sobre o funcionamento do mundo, do universo e o motivo de tudo isso aqui existir: o mero acaso que, hoje, tem todo um ordenamento, um engenho, como um grande computador. Simplesmente aconteceu, agora a gente - e eles também - que segure a onda! Me explicou sobre "anomalias" na matrix, me mostrou a grande aranha criadora de todo o universo que tece as teias do passado, do presente e do futuro de uma forma completamente desordenada, caótica. Não existe imperfeição: até mesmo o caos e os erros eram perfeitos, pois tudo estava de acordo com o que foi codificado para ser. Eis que ouço, telepaticamente, a aranha me fitar com seus inúmeros olhinhos e dizer entre risadinhas: "todo mundo rezando para um deus... mal sabem que estão rezando para uma aranha". E ria. Eu a xinguei e ri junto.

Em algum nível bem mais abaixo, as nornas teciam as teias da aranha e lapidavam cada instante, cada história e cada trajetória. E muitas egrégoras espirituais, não só a galera de Asgard, mas de outras religiões, lapidando tudo como se fossem engenheiros.
Eu vi como uma alma era produzida.
Eu vi o propósito da minha existência.
Eu vi o meu Eu Superior.
Eu vi o motivo de eu fazer o que faço.
Eu vi o propósito do meu trabalho e que a Psicologia é apenas um dos meios de cumprir com os objetivos pelos quais minha alma foi codificada.
Coisas me foram explicadas que eu fui proibido de falar aqui ou até mesmo de compartilhar com outras pessoas. Permanecem em segredo e permanecerão.
Eu vi coisas e pessoas que estão na minha vida hoje e que são meramente passageiras. Vi minha família carnal sendo apenas passageira - era a primeira vez que a gente se encontrava, apenas por uma breve conexão.
Vi vidas anteriores da minha mãe e da minha cachorra Cacau. Era como se eu pudesse acessar qualquer informação sobre tudo e todos. Eu vi prazos de validade, eu vi a idade e como algumas pessoas morreriam. Eu vi segredos de pessoas que conheço. Eu vi que os animais pertencem às Forças da Natureza, as quais estão acima dos deuses e que compõem a lei de tudo.
Eu pude encontrar meu falecido pai, o qual me disse que a única coisa que faltava para ele poder seguir adiante era me pedir perdão por tudo o que havia me feito. Ele me contou o motivo de ter me rejeitado e me revelou um segredo sobre si mesmo. Eu o perdoei e ele expandiu-se em uma luz azul, dizendo que agora poderia seguir e reencarnar. Detalhe sobre isso: na manhã seguinte à minha consagração da Ayahuasca, minha mãe me disse que sonhou com ele se despedindo dela e que seguiria em frente. Ela nem sabia ainda do que eu tinha experienciado naquela noite.
 
Seguindo...
 
Eu vi a minha primeira vida nesse planeta, enquanto um aborígene. Odin me trouxe informações importantes acerca do que eu experienciei naquela vida. E eu vi, depois, um dos pontos altos dessa experiência: a minha vida enquanto um jacobita nas highlands escocesas. Mais uma vez, eu era apenas uma pessoa comum: era um agricultor que, assim como em todas as minhas outras vidas, era convocado para a guerra. Sempre fui um guerreiro, defendendo ideais de liberdade. Um drengr de Odin. Não posso trazer detalhes dessa vida, mas foi a mais elucidativa a respeito de dores e traumas que carrego na vida atual. Ele me mostrou detalhes dessa história, meu nome (não quis me dar o sobrenome, pena), amigos que estiveram ao meu lado e que estão presentes na vida atual; me mostrou a razão de eu nunca dar certo com ninguém, amorosamente falando, e porque a traição e a desconfiança me assombram. A minha morte se deu em uma grande emboscada. Foi uma morte cruel e muito violenta. Foi uma morte que fragmentou minha alma, a minha identidade e me apequenou... e isso nos leva aos primeiros minutos de experiência na Força desta medicina das florestas.
 
Odin disse que a minha ida à Escócia era para me conectar com meu passado, com a minha ancestralidade e para eu concluir a história. Eu preciso selar a história da vida anterior e a da minha alma, para assim a minha alma poder descansar e retornar para sua origem. Esta é a minha última viagem aqui. Preciso vingar a morte que fragmentou a minha alma. Para isso, costurando com a minha crise profissional, ele me indicou o que devo fazer. Essa viagem para a Escócia ganha um propósito muito maior. Assim que eu terminar o meu doutorado, darei início a esse novo projeto, o qual ainda não posso revelar para vocês. E viajarei para a Escócia não só para me conectar comigo mesmo e com a minha ancestralidade, mas também para trabalhar neste projeto. Estou ansioso para chegar o momento de compartilhar com vocês sobre o que se trata!
 
Mas enfim, eu ainda não falei para vocês como eu cheguei na Escócia antes de toda essa vivência na primeira cerimônia da Ayahuasca. Durante a minha vida toda, eu tive sonhos com esse lugar tão distante das terras brasileiras. Os sonhos eram tão reais, que eu podia sentir como se estivesse lá de fato. Cada cenário, cada paisagem, cada lugar... Quando criança, chorava de saudades de um lugar que eu não conhecia, mas que minha alma reconhecia como lar. Muitos sinais foram depositados na minha trajetória quanto a isso, mas cresci sem saber que lugar era esse.
 
Ano passado, antes do fim de um relacionamento, sonhei que estava lá. Sonhei que meu falecido pai havia me levado e ele me disse "a partir de hoje, esse é teu destino: a Escócia. Tu tem que ir para lá para saber de ti, da tua ancestralidade e concretizar algo importante; teu futuro está lá". Comecei a investigar isso, a partir daquele dia. Vi que tinha uma série chamada "Outlander" e comecei a assistir. Chorei a cada episódio, porque via as paisagens as quais sonhei ao longo da minha vida sem nunca ter pisado lá (pelo menos não nessa vida ainda kkkk). Depois disso, passei a uma busca desenfreada por documentos e outros registros tanto da família por parte de pai quanto de mãe, caçando arquivos e informações acerca das minhas origens familiares na vida presente.
 
Enfim... Foram as duas horas mais intensas e divisoras de água da minha vida. Ainda me encontro reflexivo, pensando nas repercussões disso tudo que me foi dito. Penso na minha trajetória, nas relações interpessoais, nos medos que tive e em todas as inseguranças que me amedrontavam. A medicina da floresta mudou e salvou a minha vida. Muita coisa mudou e tantas outras ficaram para trás. Foi uma experiência espiritual intensa e muito forte e que trouxe mudanças profundas e maior consciência. Seria um equívoco medíocre reduzir o que vivi naquela noite a um mero conceito branco e eurocêntrico de "inconsciente". Se o inconsciente for uma conexão com o mundo espiritual, com o nosso Eu Superior e um caminho de encontro com a Força, quem sabe? Mas não acho que a sociedade esteja preparada para rever sua materialidade dessa forma. Muitas pessoas pirariam se vissem as coisas que eu vi e descobrissem as coisas que me foram explicadas.

 
Eu sou eternamente grato à Força, às forças da natureza e a odin. Sou eternamente grato à mestra Lisiane e à Fernanda, as duas que me permitiram viver uma cerimônia de Ayahuasca com tanto cuidado e responsabilidade. Amo vocês! Obrigado!

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Drengr de Odin

 

Primeiramente, quero dizer que eu não esperava que o blog atingisse essa quantidade toda de visualizações e mensagens no tanto por DM do Instagram, quanto pelo WhatsApp. Não estava esperando essa repercussão, nem mesmo que as pessoas fossem ler. Achei que seria mais um blog que eu crio com uma escrita que só eu leio. Fico agradecido por cada visualização e por cada mensagem que recebi. Isso me motiva bastante! Aliás, se quiserem, sintam-se à vontade para comentar na seção de comentários deste post.


Acho que posso afirmar que o post inicial foi arbóreo, pois deixou vários galhos de assuntos que eu quero escrever aqui. Fica difícil de escolher por onde começar! Já sei também que está todo mundo ansioso para saber sobre a viagem para a Escócia. Mas, para chegar lá, eu preciso desenvolver um outro assunto aqui que é a base de tudo, para que vocês entendam o que essa viagem para a Alba (Escócia, em gaélico escocês) significa: o título desse blog.


Odin's drengr é uma frase que traz um misto do inglês com o norueguês. “Drengr”, nas sociedades escandinavas medievais, era um título dado a guerreiros, a pessoas reconhecidas pelo caráter, pela conduta, pela coragem. Era, também, uma forma carinhosa e amistosa de cumprimento ao outro, reconhecendo neste as características supracitadas. Hoje, “drengr” é utilizado entre pessoas do paganismo nórdico. É comum, também, o uso de “broder”, “bróðir” e outras formas para chamar, afetuosamente, alguém de “irmão”, que são mais informais em seu trato.


Vou abrir aqui um ramo que é digno de uma futura postagem: hoje, faço parte, novamente, do paganismo nórdico. Quem me conhece, sabe que sou de família romani, fui criado dentro da tradição familiar, no clan d'Os Areia. Nosso barô romani (o chefe) era o famoso – e já falecido – Amaro Gomes Pereira, meu tio-avô. Meu avô, o Alfredo, era um grande bruxo e feiticeiro conhecido por todo o vale do Rio Pardo, viveu o paganismo e pouco pude aprender com ele, visto que faleceu em meu aniversário de dois anos de idade, pelo que me recordo. Entretanto, nossos caminhos se cruzaram de outras formas e hoje, ainda que não de forma carnal, conto com sua companhia, com seus cuidados e aprendo bastante com ele. Mas voltando ao assunto, mesmo sendo romani consanguíneo, eu vivenciei as religiões de matriz africana durante 30 anos da minha vida, com algumas pausas e muitos conflitos internos. Faz uns dois anos, aproximadamente, que eu tomei a decisão de não mais fazer parte, com a autorização e o incentivo dos meus Orixás regentes. Muitos motivos me fizeram tomar essa decisão. Para além das tantas frustrações, já estava sendo comunicado tanto pelos meus Orixás, quanto por outras egrégoras que me acompanham de que aquele não era meu caminho, embora eu o tenha percorrrido por muitos e muitos anos da minha vida. Meu carinho e meu respeito pelos Orixás sempre foram grandes, mas isso nunca significou minha permanência na religião. Afeto nenhum é suficiente quando as práticas religiosas não fazem sentido, quando os espaços de terreiro que eu frequentei eram esvaziados em fundamentos e em sentido. Foram tomados por lógicas embranquecidas, cisnormativas e neoliberais. Foram tomados por desfiles de moda, de ego e pela exploração financeira de pessoas em vulnerabilidade que só queriam ser amparadas, fortalecidas. Não eram espaços coletivos de fato, mas de interesse. Não estou generalizando, mas bons lugares não são uma regra, ao meu ver. Não tinha afeto, não tinha aprendizagem, não tinha comprometimento social, nem político... tudo vazio.


Amaro Areia, meu tio-avô. Fonte: Jornal Folha do Mate.

O caminho de lá para cá foi longo, tortuoso, difícil, mas tive todo o apoio e orientação constante das egrégoras espirituais que me acompanham. Vamos dar um salto maior na narrativa para focar no meu caminho no paganismo. Foi um caminho que já me era conhecido. Enquanto romani, fui criado com um olhar atento e importante para a espiritualidade. Tinha muita curiosidade e queria aprender cada vez mais. E foi nessa impulso que eu conheci outras vertentes espirituais e religiosas, na pré-adolescência, pelas quais me senti muito mais conectado. O paganismo celta e o nórdico eram os que me atraíam intensamente. Mais tarde, descobri vários motivos para isso ter acontecido. Explicarei na postagem que fala das razões para visitar a Escócia.


Nesse processo de recalcular rota, estive bastante introspectivo – mais ainda, eu sei -, distanciado, reavaliando valores e sentidos. Sigo sendo o Eremita. Reavaliei muitas coisas na minha vida, quebrei com vícios e retomei hábitos mais saudáveis, os quais estava há tempos tentando e não conseguia. Eu era tomado por constante desânimo e drenagem vital. Fui me dando conta que Odin estava ali, nos detalhes mais bobos e nos mais duros e intensos, assim como esteve em muitos momentos do meu passado, me guiando e mostrando que eu jamais deveria baixar a cabeça para nada, nem ninguém. Afinal, eu sou um drengr. Nasci para ser drengr. Vários pontos foram ligados, sinais de vários anos para cá, os quais eu não conseguia entender, hoje são transparentes para mim. Tive sonhos, sentia presenças e fui me reconectando a ele. Percebi que muitos símbolos nos aproximavam. Minhas histórias e as sagas dele, interesses e até mesmo defeitos.


Foi no paganismo nórdico que eu encontrei irmãs, irmãos sinceros, incentivadores, pessoas que realmente estavam dispostas a ensinar, a trazer conhecimento aos recém-chegados. Conheci pessoas que, para além do espiritual e da prática religiosa, se tornaram amigas, motivando e incentivando a mim e a outros irmãos e irmãs em seus objetivos pessoais. Encontrei pessoas que procuravam tornar a comunidade pagã um espaço de cuidado, conhecimento e de desenvolvimento pessoal. E o mais legal de tudo: um espaço seguro para pessoas com deficiência, LGBTI+, negras, indígenas, mulheres (todas elas), entre outros. Destaco o querido amigo Mikél, britânico de Nottingham, que foi luz e conforto em diversos momentos. Foi no paganismo nórdico que eu vivi o verdadeiro sentido de coletividade, de família, de comunidade, em que todos levantam por um. Óbvio que o paganismo, assim como muitas outras religiosidades, também foi apropriado por malfeitores e criminosos, nazistas, os quais se utilizam de simbologias das culturas e tradições nórdicas para pregar absurdos racistas, higienistas, transfóbicos e supremacistas. Mas estes são expulsos da comunidade pagã; são rejeitados e proibidos dentro da comunidade.


Mas, afinal, como que eu sou um drengr, se não quero guerra? O bom drengr não sente medo? Nunca vi um ser humano não sentir medo. Bom, da matriz africana, eu guardo com muito amor o meu pai de cabeça, rei do meu Orí, meu pai Ogum. Tenho muitos pais espirituais, tive nenhum carnal – pelo menos, não um que se fizesse presente. Fui forjado no fogo e no aço de Ogum, feito para a luta e para a guerra. Pelo jeito, forjado pelos Aesir também. Minha vida foi uma guerra desde os primeiros anos de vida, desde a minha concepção. Enfrentei batalhas perigosas quando recém-nascido, quando criança e quando adolescente. Quando adulto, também. Enfrentei coisas incomuns que, por muito pouco, minha vida terrena não foi encerrada. Eu me lembro de cada momento como se fosse ontem. Foram lutas constantes pela minha vida, isso sem falar no processo de descoberta da minha própria transgeneridade e a busca pela minha identidade.

Meses antes de eu nascer, uma outra mulher romani disse para a minha mãe que um de seus filhos a nascer era filho seria um guerreiro, filho de São Jorge. Será que faz sentido o que eu tô dizendo aqui? Vão conectando os pontos aí! São Jorge, inclusive, para quem não sabe, é o padroeiro da Inglaterra.


Apesar de ter sido forjado um drengr, fui ensinado que é preciso ser munido de conhecimento e de uma visão estratégica. Não se compra qualquer guerra e não se faz parte de qualquer batalha. Não se deve ser imprudente, nem ter a guerra como primeira opção. Tem guerras que são silenciosas e a gente luta nas sombras – a própria existência é um testemunho de luta. Além disso, tem batalhas que não se pode ir sozinho, pois são missões suicidas. Aprendi pelo caminho mais difícil.


Ogum, em um sonho, se despediu de mim. Disse que dele, eu já aprendi tudo o que eu precisava e que agora era para eu ir para o mundo. Deu as costas, e saiu andando e rindo. Ele havia me deixado com sete espadas na mão. Foram sete sonhos diferentes, cada um com uma nova espada, como uma lembrança de que uma lição importante foi aprendida e que novas habilidades hoje fazem parte do meu repertório.


Meu grande pai Lúcifer, a partir de sua sabedoria e de sua luz, reaparece para iluminar meus caminhos e o meu coração, trazendo nitidez de pensamento. Me protegeu e me trouxe livramentos importantes. Ele me dizia que eu não precisava estar em religião nenhuma, menos ainda em templos, só se eu quisesse, desde que consciente das lógicas mercadológicas e exploratórias que muitos desses lugares religiosos repercutem. Seu amor por mim sempre foi infinito. As pessoas veem “o inimigo” em Lúcifer ou um “anjo caído”; eu vejo amor. Lúcifer e Hécate me acompanhavam nas encruzilhadas, iluminando meu caminho com suas tochas.


E foi nessa caminhada que eu me reaproximei de Odin. Certo dia, caminhando na estrada incerta e nebulosa, ele reapareceu como uma brisa suave, apontando os caminhos. Silenciosamente, postou-se ao meu lado e apontou a Gungnir. Os corvos Huginn (Pensamento) e Munnin (Memória), que tanto apareciam em meus sonhos e visões quando criança, pairavam no céu. Parecia até que afastavam as nuvens. Mais adiante, outras batalhas se aproximaram, mas vou dizer que lutar ao lado de Odin, tendo sua orientação, é sem igual. Não me sentia tão forte assim há anos. Fui surpreendido por forças que estavam adormecidas em mim há bastante tempo e que a ausência delas me causava bastante constrangimento e autocobranças. Mas elas estavam ali, só não tinham as condições necessárias para serem potencializadas. Não estavam dormidas, mas silenciadas.


Fonte: Pinterest.


Vão dizer que é coisa de doido – se for, nem ligo, doideira é a mais pura sanidade -, mas eu ouvia sussurros que me diziam para me conectar com as runas. “Aprenda runas e tudo vai fazer sentido”. E foi o que fiz, ano passado, e fez sentido, de fato. Foi onde os véus começaram a cair. Descobri que meu falecido avô, o Alfredo, também jogava. Viajava de vila em vila, casa em casa, jogando as runas e atendendo os mais necessitados com chás e ervas medicinais, magias que só ele conhecia. Odin só foi digno das runas depois de ter se enforcado na Yggdrasil (a árvore da vida, com nove reinos), ficando pendurado por nove dias com sua lança atravessada no corpo. Tem nove dias que duram anos eternos, aqui em Midgard (mundo dos humanos, um dos nove reinos da Yggdrasil).


Peço desculpas por muitas coisas estarem nas entrelinhas, mas elas são privadas. Sou reservado e qualquer exposição me constrange. Me sinto um idiota toda vez que falo sobre mim, por isso que esse blog é um exercício necessário. Na próxima postagem, satisfaço a curiosidade quanto à Escócia! Quero trazer o sonho com meu falecido pai que mudou o rumo da minha vida ano passado e que me leva à Alba.


terça-feira, 1 de julho de 2025

Não quero mais militar

 

Sim, esse é o título. E é o meu desejo também.

São anos militando, posso dizer que se completaram 16 anos de militância. Não exatamente, porque faz alguns anos que eu decidi não mais militar, mas seguir como um ativista. As duas coisas têm diferença. Não entrarei nos pormenores, mas a luta era bastante solitária, esgotante e, dessa forma, é adoecedor. Fico perdido na contagem de todas as vezes que adoeci e que, inclusive, tive um burnout que quase custou a minha vida algumas vezes. Com certeza, não foram as primeiras vezes em que minha vida esteve em risco – essa luta contra a morte data desde a infância. Acho que todos nós lutamos pela vida; alguns mais, outros menos, mas todo dia é um dia a mais.    

Houve um momento em que precisei optar por lutar só pelos meus semelhantes, o que tornou o trabalho menos exaustivo. Ainda assim, a gente encontra desafios, por exemplo, pessoas que não conseguem ver a minha humanidade e confundem o meu papel com o do Estado. Tem pessoas que acham que é uma obrigação ou uma responsabilidade minha fazer qualquer coisa por elas, quando eu sou só uma pessoa comum como qualquer outra e que também precisa de suporte. A diferença é que eu tendo a me responsabilizar muito por tudo o que eu quero e preciso. Não acredito que o outro deva agir como eu e pelas mesmas razões, as quais não serão explicitadas – sou muito privado e discreto, como podem perceber -, foi só um breve comentário sobre como prefiro lidar com as coisas. De qualquer modo, eu cansei de não ser visto como gente, seja pelo mundo lá fora, seja pelos meus próprios semelhantes. Não quero generalizar, porque encontrei muitas pessoas incríveis nessa caminhada. Mas eu preciso focar no meu ganha pão e nos meus sonhos. Preciso correr atrás das coisas que eu acabei negligenciando em prol do coletivo. Foquei demais no coletivo e abdiquei de mim, fiz errado, e foi onde eu mais adoeci. Não fui ensinado a pensar em mim e a me entender, isso foi algo que tive que descobrir durante o caminho. Foi difícil.

Hoje, não quero mais discutir com a oposição, com o opressor. Não quero mudar ninguém, não quero fazer com que o outro mude de ideia, salvo aqueles que tenham o desejo de mudar e que gostariam de trocar uma ideia. Não quero mais fazer pelo meu próximo tão diretamente como estava fazendo; quero aliviar a minha barra. Que alívio! Enquanto militante, comumente eu era incentivado a galgar patamares maiores, participar de eventos e organizações nacional e internacionalmente conhecidas. Ambição é uma coisa tão relativa e maleável, que eu não concordo com a ambição neoliberal e capitalista. Não sou competitivo nesse sentido, tenho certeza que tem espaço para todo mundo nesse vasto mundo. Apesar disso, fui incentivado a querer muito mais e a conquistar grandes coisas, como se eu tivesse que ser uma referência a todas as outras pessoas trans – eu não podia parar e fui até mesmo punido e rechaçado quando tirei férias, há alguns anos, no dia nacional da visibilidade trans. Pasmem: fazia seis anos que eu não tirava férias e não podia estar na companhia da minha mãe, visto que o aniversário dela é dia 29 de janeiro, justamente no dia da visibilidade (irônico, né?), mas eu fui rechaçado por ter recusado fazer parte de um evento que eu geralmente era convidado a estar. Fui criticado por pessoa dos movimentos sociais que se dizem aliados. Que ousado eu fui em negar porque pretendia viajar! Que maneira curiosa de as pessoas se aliarem a nós, não acham? Mais uma amostra de que somos destituídos de nossa humanidade não somente enquanto pessoas trans, mas também responsabilizados por coisas as quais não são a nossa obrigação. É o mesmo que dizer que eu tenho que resolver a transfobia do mundo e que tem pessoa trans sofrendo; logo, se eu não participar ou não ser ativista/militante por um minuto, as coisas vão ruir e será culpa minha. Não sei quando passei a ser o Estado e toda a sua dimensão!

Somos limitados e devemos reconhecer isso.

Nem comentarei sobre os eventos em que nos convidam, não nos pagam, não nos dão um copo de água e acham um problema pagar o nosso transporte – detalhe: convidaram o doutor fulano da universidade de não sei onde, “especialista em trans”, cisgênero, visão deturpada e mítica de saúde trans, foi pago para palestrar no evento, inclusive suas passagens e estadia.

São as tantas ingratidões tanto entre os meus quanto entre os outros que foram me exaurindo. Não tenho grandes expectativas, apenas respeito a minha humanidade. Não é pedir muito.

Nesse ano, tive que aceitar e reconhecer o meu processo de luto de que acabou para mim, no momento, e que nessas condições não tenho mais como continuar fazendo esse trabalho. Preciso limitar ainda mais a forma como eu me engajo. Acho que “afunilar” é a designação mais adequada. Sem mais fazer parte das disputas políticas batendo na porta do gestor; sem mais dar palestras de graça e nunca ser empregado no mercado formal; sem mais participações em ongs, coletivos, instituições ou entidades de classe ou categoria profissional. Eu não preciso mais estar nas grandes coisas e nos grandes cenários. Posso fazer muito mais escrevendo, fazendo a minha pesquisa, meus atendimentos e dando as minhas aulas. Sendo eu por onde passo. Já é coisa o suficiente. Visibilidade é muito importante, mas não precisamos ser visíveis a todos ou a uma grande quantidade de pessoas. Toda trajetória é um testemunho: vai testemunhar quem tiver que testemunhar. É preciso reavaliar os valores e designar o que realmente é importante para a gente.

Posso soar contraditório, mas não gosto de ser visto. Não gosto de socializar, menos ainda de fazer parte dos jogos das relações politiqueiras das instituições. Não gosto de fazer parte dos cenários montados. Não sou o procurado para amizade, nem trabalho e nem qualquer outra coisa – sou chamado para apagar incêndios, para cumprir com papéis que não são meus e para ajudar pessoas que esporadicamente acionam o meu contato. É bem como se eu fosse um utensílio de cozinha pendurado na parede ou guardado na gaveta, à prontidão quando necessitado. Acontece que deixei de estar à disposição tem bastante tempo. Além disso, não sou necessário. Nada é necessário e nada é urgente nesse mundo. Não “tenho que” nada. Como sempre falo para as pessoas que atendo e para quem convive comigo, não tem nada mais revolucionário que ser inútil. O inútil é muito útil nos dias de hoje, superacelerados. Quero dispor de um tempo para escrever só sobre isso em uma próxima postagem nesse blog.


Não quero mais ser o militante, nem o ativista de outrora.

Não sou escritor, nem sei ser escritor. Seria pretensioso demais.

Não sou útil, bem pelo contrário. Deve ser por isso que o sistema me descarta.

Não sou acadêmico, nem sei ser pós-graduando, embora esteja terminando meu doutorado.

Será que sou psicólogo? Depende de quem vê.


Eu sou muitas outras coisas que o mundo material não contempla. De repente, vou ser ativista de blog, de escrita (mal-feita) de artigo científico. Não gosto de aparecer em vídeos e não quero lucrarr com esse espaço. Tem coisa que não se monetiza. Assim como o amanhã de Ailton Krenak, eu também não estou à venda.

Coração Valente

  Na vastidão de campos verdes, quase que sem fim, cavalgava junto de sua égua baia. A luz solar de um meio de tarde refletia na pelagem do ...