Primeiramente,
quero dizer que eu não esperava que o blog atingisse essa quantidade
toda de visualizações e mensagens no tanto por DM do Instagram,
quanto pelo WhatsApp. Não estava esperando essa repercussão, nem
mesmo que as pessoas fossem ler. Achei que seria mais um blog que eu
crio com uma escrita que só eu leio. Fico agradecido por cada
visualização e por cada mensagem que recebi. Isso me motiva
bastante! Aliás, se quiserem, sintam-se à vontade para comentar na
seção de comentários deste post.
Acho
que posso afirmar que o post inicial foi arbóreo, pois deixou vários
galhos de assuntos que eu quero escrever aqui. Fica difícil de
escolher por onde começar! Já sei também que está todo mundo
ansioso para saber sobre a viagem para a Escócia. Mas, para chegar
lá, eu preciso desenvolver um outro assunto aqui que é a base de
tudo, para que vocês entendam o que essa viagem para a Alba
(Escócia, em gaélico escocês) significa: o título desse blog.
Odin's drengr é uma
frase que traz um misto do inglês com o norueguês. “Drengr”,
nas sociedades escandinavas medievais, era um título dado a
guerreiros, a pessoas reconhecidas pelo caráter, pela conduta, pela
coragem. Era, também, uma forma carinhosa e amistosa de cumprimento
ao outro, reconhecendo neste as características supracitadas. Hoje,
“drengr” é utilizado entre pessoas do paganismo nórdico. É
comum, também, o uso de “broder”, “bróðir” e outras formas
para chamar, afetuosamente, alguém de “irmão”, que são mais
informais em seu trato.
Vou
abrir aqui um ramo que é digno de uma futura postagem: hoje, faço
parte, novamente, do paganismo nórdico. Quem me conhece, sabe que
sou de família romani, fui criado dentro da tradição familiar, no
clan d'Os Areia. Nosso barô romani (o chefe) era o famoso – e já
falecido – Amaro Gomes Pereira, meu tio-avô. Meu avô, o Alfredo,
era um grande bruxo e feiticeiro conhecido por todo o vale do Rio
Pardo, viveu o paganismo e pouco pude aprender com ele, visto que
faleceu em meu aniversário de dois anos de idade, pelo que me
recordo. Entretanto, nossos caminhos se cruzaram de outras formas e
hoje, ainda que não de forma carnal, conto com sua companhia, com
seus cuidados e aprendo bastante com ele. Mas voltando ao assunto,
mesmo sendo romani consanguíneo, eu vivenciei as religiões de
matriz africana durante 30 anos da minha vida, com algumas pausas e
muitos conflitos internos. Faz uns dois anos, aproximadamente, que eu
tomei a decisão de não mais fazer parte, com a autorização e o
incentivo dos meus Orixás regentes. Muitos motivos me fizeram tomar
essa decisão. Para além das tantas frustrações, já estava sendo
comunicado tanto pelos meus Orixás, quanto por outras egrégoras que
me acompanham de que aquele não era meu caminho, embora eu o tenha
percorrrido por muitos e muitos anos da minha vida. Meu carinho e meu
respeito pelos Orixás sempre foram grandes, mas isso nunca
significou minha permanência na religião. Afeto nenhum é
suficiente quando as práticas religiosas não fazem sentido, quando
os espaços de terreiro que eu frequentei eram esvaziados em
fundamentos e em sentido. Foram tomados por lógicas embranquecidas,
cisnormativas e neoliberais. Foram tomados por desfiles de moda, de
ego e pela exploração financeira de pessoas em vulnerabilidade que
só queriam ser amparadas, fortalecidas. Não eram espaços coletivos
de fato, mas de interesse. Não estou generalizando, mas bons lugares
não são uma regra, ao meu ver. Não tinha afeto, não tinha
aprendizagem, não tinha comprometimento social, nem político...
tudo vazio.
 |
Amaro Areia, meu tio-avô. Fonte: Jornal Folha do Mate. |
O
caminho de lá para cá foi longo, tortuoso, difícil, mas tive todo
o apoio e orientação constante das egrégoras espirituais que me
acompanham. Vamos dar um salto maior na narrativa para focar no meu
caminho no paganismo. Foi um caminho que já me era conhecido.
Enquanto romani, fui criado com um olhar atento e importante para a
espiritualidade. Tinha muita curiosidade e queria aprender cada vez
mais. E foi nessa impulso que eu conheci outras vertentes espirituais
e religiosas, na pré-adolescência, pelas quais me senti muito mais
conectado. O paganismo celta e o nórdico eram os que me atraíam
intensamente. Mais tarde, descobri vários motivos para isso ter
acontecido. Explicarei na postagem que fala das razões para visitar
a Escócia.
Nesse
processo de recalcular rota, estive bastante introspectivo – mais
ainda, eu sei -, distanciado, reavaliando valores e sentidos. Sigo
sendo o Eremita. Reavaliei muitas coisas na minha vida, quebrei com
vícios e retomei hábitos mais saudáveis, os quais estava há
tempos tentando e não conseguia. Eu era tomado por constante
desânimo e drenagem vital. Fui me dando conta que Odin estava ali,
nos detalhes mais bobos e nos mais duros e intensos, assim como
esteve em muitos momentos do meu passado, me guiando e mostrando que
eu jamais deveria baixar a cabeça para nada, nem ninguém. Afinal,
eu sou um drengr.
Nasci para ser drengr. Vários pontos foram ligados,
sinais de vários anos para cá, os quais eu não conseguia entender,
hoje são transparentes para mim. Tive sonhos, sentia presenças e
fui me reconectando a ele. Percebi que muitos símbolos nos
aproximavam. Minhas histórias e as sagas dele, interesses e até
mesmo defeitos.
Foi
no paganismo nórdico que eu encontrei irmãs, irmãos sinceros,
incentivadores, pessoas que realmente estavam dispostas a ensinar, a
trazer conhecimento aos recém-chegados. Conheci pessoas que, para
além do espiritual e da prática religiosa, se tornaram amigas,
motivando e incentivando a mim e a outros irmãos e irmãs em seus
objetivos pessoais. Encontrei pessoas que procuravam tornar a
comunidade pagã um espaço de cuidado, conhecimento e de
desenvolvimento pessoal. E o mais legal de tudo: um espaço seguro
para pessoas com deficiência, LGBTI+, negras, indígenas, mulheres
(todas elas), entre outros. Destaco o querido amigo Mikél,
britânico de Nottingham, que foi luz e conforto em diversos momentos. Foi no
paganismo nórdico que eu vivi o verdadeiro sentido de coletividade,
de família, de comunidade, em que todos levantam por um. Óbvio que
o paganismo, assim como muitas outras religiosidades, também foi
apropriado por malfeitores e criminosos, nazistas, os quais se
utilizam de simbologias das culturas e tradições nórdicas para
pregar absurdos racistas, higienistas, transfóbicos e supremacistas.
Mas estes são expulsos da comunidade pagã; são rejeitados e
proibidos dentro da comunidade.
Mas,
afinal, como que eu sou um drengr, se não quero guerra? O bom drengr não sente medo? Nunca vi um ser humano não sentir medo. Bom, da
matriz africana, eu guardo com muito amor o meu pai de cabeça, rei
do meu Orí, meu pai Ogum. Tenho muitos pais espirituais, tive nenhum
carnal – pelo menos, não um que se fizesse presente. Fui forjado
no fogo e no aço de Ogum, feito para a luta e para a guerra. Pelo
jeito, forjado pelos Aesir também. Minha vida foi uma guerra
desde os primeiros anos de vida, desde a minha concepção.
Enfrentei batalhas perigosas quando recém-nascido, quando criança e
quando adolescente. Quando adulto, também. Enfrentei coisas
incomuns que, por muito pouco, minha vida terrena não foi encerrada. Eu me lembro de cada momento como se fosse ontem. Foram lutas constantes pela minha vida, isso sem falar no processo de descoberta da minha própria transgeneridade e a busca pela minha identidade.
Meses antes de eu nascer, uma outra mulher romani disse
para a minha mãe que um de seus filhos a nascer era filho seria um
guerreiro, filho de São Jorge. Será que faz sentido o que eu tô
dizendo aqui? Vão conectando os pontos aí! São Jorge, inclusive,
para quem não sabe, é o padroeiro da Inglaterra.
Apesar
de ter sido forjado um drengr, fui ensinado que é preciso ser munido
de conhecimento e de uma visão estratégica. Não se compra qualquer
guerra e não se faz parte de qualquer batalha. Não se deve ser
imprudente, nem ter a guerra como primeira opção. Tem guerras que
são silenciosas e a gente luta nas sombras – a própria existência
é um testemunho de luta. Além disso, tem batalhas que não se pode
ir sozinho, pois são missões suicidas. Aprendi pelo caminho mais
difícil.
Ogum,
em um sonho, se despediu de mim. Disse que dele, eu já aprendi tudo
o que eu precisava e que agora era para eu ir para o mundo. Deu as
costas, e saiu andando e rindo. Ele havia me deixado com sete espadas
na mão. Foram sete sonhos diferentes, cada um com uma nova espada,
como uma lembrança de que uma lição importante foi aprendida e que
novas habilidades hoje fazem parte do meu repertório.
Meu
grande pai Lúcifer, a partir de sua sabedoria e de sua luz,
reaparece para iluminar meus caminhos e o meu coração, trazendo
nitidez de pensamento. Me protegeu e me trouxe livramentos
importantes. Ele me dizia que eu não precisava estar em religião
nenhuma, menos ainda em templos, só se eu quisesse, desde que
consciente das lógicas mercadológicas e exploratórias que muitos
desses lugares religiosos repercutem. Seu amor por mim sempre foi
infinito. As pessoas veem “o inimigo” em Lúcifer ou um “anjo
caído”; eu vejo amor. Lúcifer e Hécate me acompanhavam nas
encruzilhadas, iluminando meu caminho com suas tochas.
E
foi nessa caminhada que eu me reaproximei de Odin. Certo dia,
caminhando na estrada incerta e nebulosa, ele reapareceu como uma
brisa suave, apontando os caminhos. Silenciosamente, postou-se ao meu
lado e apontou a Gungnir. Os corvos Huginn (Pensamento) e Munnin (Memória), que tanto apareciam em
meus sonhos e visões quando criança, pairavam no céu. Parecia até
que afastavam as nuvens. Mais adiante, outras batalhas se
aproximaram, mas vou dizer que lutar ao lado de Odin, tendo sua
orientação, é sem igual. Não me sentia tão forte assim há anos.
Fui surpreendido por forças que estavam adormecidas em mim há
bastante tempo e que a ausência delas me causava bastante
constrangimento e autocobranças. Mas elas estavam ali, só não
tinham as condições necessárias para serem potencializadas. Não
estavam dormidas, mas silenciadas.
 |
Fonte: Pinterest. |
Vão
dizer que é coisa de doido – se for, nem ligo, doideira é a mais
pura sanidade -, mas eu ouvia sussurros que me diziam para me
conectar com as runas. “Aprenda runas e tudo vai fazer sentido”.
E foi o que fiz, ano passado, e fez sentido, de fato. Foi onde os
véus começaram a cair. Descobri que meu falecido avô, o Alfredo, também jogava. Viajava de vila em vila, casa em casa, jogando as runas e atendendo os mais necessitados com chás e ervas medicinais, magias que só ele conhecia. Odin só foi digno das runas depois de ter se enforcado na Yggdrasil (a árvore da vida, com nove reinos), ficando pendurado por nove dias com sua lança atravessada no corpo. Tem nove dias que duram anos eternos, aqui em Midgard (mundo dos humanos, um dos nove reinos da Yggdrasil).
Peço desculpas por muitas coisas estarem nas entrelinhas, mas elas são privadas. Sou reservado e qualquer exposição me constrange. Me sinto um idiota toda vez que falo sobre mim, por isso que esse blog é um exercício necessário. Na
próxima postagem, satisfaço a curiosidade quanto à Escócia! Quero
trazer o sonho com meu falecido pai que mudou o rumo da minha vida
ano passado e que me leva à Alba.